sábado, 15 de dezembro de 2018

A CONSTRUÇÃO DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS

Talvez o elemento mais importante de uma história sejam as suas personagens, porque afinal são eles que fazem as histórias.
Enquanto leitora, às vezes sinto dificuldade em defender uma personagem, faltam-lhe partes, o mais grave é quando lhe falta um coração ou uma alma em que nos possamos encontrar a nós próprios ou a outras pessoas. Enquanto criadora de histórias, dedico-me muito à conceção das personagens, sobretudo das principais, embora algumas secundárias também sejam engraçadas de desenhar. São essas que designamos como "secundárias" que muitas vezes trazem ao de cima o melhor, o pior e o desconhecido daquelas para quem dedicamos todo o nosso tempo: as principais. E é dessas que vou falar sem regras, listas de procedimentos ou fórmulas secretas, porque já o disse, nada disso faz sentido para mim. 

 - Por onde começar?

Podia dizer-vos que quando começo a escrever uma história já tenho definidos os elementos essenciais para uma personagem principal, mas isso seria mentir. 

A primeira coisa que decido é o nome. Uma personagem sem nome, nem sequer é personagem (desculpem lá se isto soa snobe). Costumo escolher os nomes a partir de outras histórias de que gostei, de outras personagens, de outras inspirações. O importante é que o nome lhe soe a alguém e que goste dele - se o leitor não gostar terá que viver com ele, mas é o escritor que vai dar corpo, alma e vida à personagens, portanto seja egoísta, mas não muito, porque também será leitor da sua própria história. 
Faça pesquisas no google. Faça listas de nomes de que gosta. Escolha apelidos que lhe soem bem. Peça autorização a amigos e familiares para usar os nomes deles (não use nome próprio e apelido, a não ser que esteja mesmo a desenhar aquela pessoa ou pode dar uma ideia errada). A Stephanie Meyer utilizou o nome próprio dos irmãos para as personagens. Eu escolho o nome dos protagonistas a partir do nome verdadeiro de atores de filmes ou séries de que gosto muito (não se riam de mim, sou pouco imaginativa em nomes!). 
Depois de escolher o nome próprio e o apelido - por vezes escolho mais do que dois nomes, porque há imensa gente com três, quatro, cinco... nomes -, perco-me a tentar imaginar que tipo de pessoa será. Para isso, nada melhor do que ir à procura de inspiração. 

Nunca se esqueça para onde quer ir na sua história e mesmo que não saiba para onde vai, sabe a sua ideia, sabe o "tema", sabe o que quer que aconteça. Criar personagens também exige tomada de decisões (lá estou eu, outra vez, a falar em decisões, porque elas são precisas, está bem? Eu sei que está.). 
Pense, pense muito, pense a sério. 
Pense, por exemplo, no que quer, no que não quer e faça(-lhe)/-se perguntas.

- A minha personagens gosta de chá ou de café? Ou dos dois?
- É alta, baixa, gorda, magra, tudo e nada?
- Gosta de desporto? De música? De teatro?
- Gosta de quê?Faz o quê? Mora onde? Quer o quê?
- Como era o passado? Como vê o presente e o futuro?

Ponha o(a) namorado(a), o amigo, a amiga, o primo e quem quiser a fazer-lhe perguntas sobre a pessoa imaginária que irá existir POR SUA CULPA. Se quiser desistir, lembre-se que essa pessoa só irá existir POR SUA CULPA. Eu sei que escrevi duas vezes em letra maiúscula, mas é para ter a certeza de que decorou isto, para futuramente se segurar nesta ideia quando achar que todas as personagens já foram inventadas e que as melhores histórias do mundo já foram escritas. Quer saber um segredo? Há lugar para termos muitas histórias e personagens. As suas podem fazer história.
 


- Onde encontrar a inspiração?


Em todo o lado.  
Avisei que gostava de cliché? Pois é, ele tinha que vir.

Filmes. Séries. Livros. Livros outra vez. Livros novamente. Revistas. Anúncios de televisão. Telenovelas (se gostarem e virem, eu não vejo, mas fica registado que serve para inspiração). Jornais. Filas do supermercado. Trânsito. Esplanada. Cinema. Centro Comercial. Imaginação... 

Portanto, a inspiração pode vir de tudo e de qualquer lado. Não precisamos de nos centrar todos numa biblioteca a ler os livros todos que existem - embora, para mim, a maior fonte seja mesmo a leitura. A seguir, a observação dos outros em diferentes contextos. 

Se há uma coisa que alguém faça repetidamente que o irrite ou que lhe agrade, use isso. Por exemplo, se alguém abana o pé. Se tem por hábito dançar mal ouve música. Se usa expressões engraçadas ou se gosta de aliterações (Réplica Restituída de Romances) aproveite-se disso. Se passa por si uma pessoa que empurra os óculos para cima num movimento lento e suave como seda, aproveite isso. Não deixe que nada lhe passe ao lado. Aproprie-se do que está ao seu redor e não deixe de trabalhar a mente, a criatividade começa quando nos dispomos a olhar ao nosso redor e a ler aquilo que observamos. É a partir da inspiração constante, diária, momentânea, permanente e instantânea que conseguimos encontrar características reais, verdadeiras e credíveis. Baseie-se na realidade. 

- Como conferir realidade às personagens?

Criando-as. Escrevendo-as. Dando-lhes voz através dos diálogos. Criando cenários em que elas se possam revelar. Conferindo-lhes tempo, espaço e momentos. Atribuindo-lhes uma vida, uma casa, uma família, um círculo de amigos, aquilo que quiser. 

Parece simples? Acredite que é. Só precisa de se lembrar que elas são reais e é aqui que muitos de nós escorregam, porque nos esquecemos de acreditar verdadeiramente que elas são reais e que existem - oh, se existem. 


- Quando sabemos que temos uma personagem complexa?

Quando a vê em todo o lado e ela não a deixa dormir. 
Okay, agora é aquele momento em que vai pensar em eu não sou normal. Nunca vi nenhum "escritor" ser normal, portanto até é um elogio. 

As personagens têm que se tornar pessoas de verdade a quem só lhes falta o corpo, porque têm tudo o resto para viver depois de nós. Flaubert, a propósito da sua célebre obra "Madame Bovary", disse Eu estou a morrer, mas aquela puta da Madame Bovary viverá para sempre e também foi ele que disse que Não se faz nada de grande sem fanatismo. Portanto, aqui compreenderá que as personagens têm que ser tão reais como aquilo a que abusivamente chamamos de real (citando, mais ou menos, Fernando Pessoa).

A complexidade de uma personagem vem através das suas singularidades. Obrigue-se a construir alguém novo, diferente, uma pessoa que não existe, mas que existirá e viverá mesmo quando o seu criador desaparecer. Há demasiados livros e demasiadas personagens, mas também há muitas que são superficiais, tão finas como a página de um livro que se lhe fizermos um buraco vemos o outro lado e não a profundidade que se almeja. 

- E se concluirmos que a personagem não é complexa?

Chateie-se. Bata o pé. Amue. Grite. Faça o que lhe apetecer, mas depois inspire-se em si próprio. Uma personagem que se chateia, que bate o pé, que amua e que grita é com certeza o extremo e o melhor dos dois mundos: pode ser odiada ou amada, mas também fará rir muitos leitores.

Quer que a sua personagem faça rir ou chorar?
Quer que a sua personagem seja amada ou odiada?

Entregue-se a ela. 
Ninguém faz nada num dia. Nem em apenas uma única tentativa.
Se quer que a sua personagem sobreviva a si, então dê-lhe tempo, deixe-a desabrochar. 

Eu própria, em tempos, entristecia, porque não corria bem ao fim de uma página. Depois, consegui um controlo que não é assim tão forte, confesso, mas dá-me para viver nisto sem morrer todos os dias. 
A minha "fórmula secreta" (disse que não tinha, mas sou capaz de ter) para construir uma personagem é o tempo. Dou tempo às personagens e dou-me tempo a mim mesma para as ver crescer. Regresso todos os dias. Insiro palavras, mudo palavras, altero palavras, corrijo palavras. E tudo vai-se tornando mais real aos meus olhos. Tão real como eu própria - embora haja dias que não sei quem é mais real se eu, se as personagens. :) 

Nota final:

Por favor, não leve nada do que eu escrevo "à letra". 
Sabe, eu também estou em construção constante. Parece-me, no entanto, que alguns de nós precisam de refletir. É isso que eu procuro fazer: refletir sobre importantes partes das histórias sem conferir às minhas palavras um pendor que elas não têm - o da exclusividade. Simplesmente gostava muito (e digo-o com total honestidade) que há três anos, quando comecei a escrever, alguém me tivesse dito estas coisas. Por isso, talvez exista alguém, aí desse lado, que goste de as ler. 
Apelo para que encontre o seu caminho, o seu modo de escrever a sua história e que faça disso a sua própria regra - não siga as normas dos outros, porque nós somos todos diferentes quando escrevemos. Fazer as nossas próprias regras, crescer no nosso próprio caminho, errar nos nossos erros e aprender com aquilo que fazemos é uma dádiva. Há quem diga que temos "sorte" por vivermos numa época em que podemos escrever sem termos ninguém a controlar-nos. A sorte é uma metáfora para a dedicação que se coloca no que se faz.
Dê sempre o melhor de si. É isso que os grandes escritores fazem e eles também já estiveram aqui - neste começo inócuo de quem tem muito mais para nascer em histórias. 

1 comentário:

  1. Não tem ideia de como isso me ajuda e me inspira. Obrigada! ♡♡

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Doce memória, eterno amor