sábado, 26 de janeiro de 2019

Quinze verdades sobre BLACK HEART 🖤



1. A ideia de escrever esta história surgiu aos poucos por um motivo real: explicar a alguém que a vida pode ser maravilhosa, mesmo quando a morte parece ser a única saída. Escrevi para um suicida que enquanto lia me disse várias vezes: “o tempo em que estou a ler BH é o tempo em que não me corto”. Para ele, escrevi esta história.

2.  BH não é a primeira história que escrevi, mas abandonei uma outra para me dedicar de corpo e alma. Escrevi quatro volumes num ano.

3. Quinze é um número perfeito. A simbologia remete para a área da psicologia comportamental, uma das técnicas de autocontrole nos casos de automutilação é contar até quinze. Fiz deste número, o número da história. Por essa razão, são quinze capítulos, quinze rosas, quinze carros, quinze mulheres… E será publicado quinze meses depois da decisão de publicar.

4.  O primeiro nome que escolhi foi o do Matt. Sou pouco criativa em relação a nomes, porém sou viciada em séries criminais. Matthew é o nome real da personagem que eu mais gosto de Mentes Criminosas. Decidi que o nome da protagonista também teria que ter duas consoantes repetidas: Anna. Talvez a leitura de Anna Karenina e de Nothing Hill também me tenham influenciado. A origem dos nomes começou por associação. Nunca ponderei em momento algum mudar. Anna Hardy – porque Thomas Hardy é um dos meus escritores preferidos – e Matthew Cooper – porque o Bradley Cooper é dos meus atores prediletos.

5. A escolha do título não foi fácil. Precisaria de reviver os primeiros cinco meses em que escrevi esta história para explicar o quão sufocante foi encontrar um título que se adequasse. Quando o escolhi, tive a certeza de que era o tal.

6. Reescrevi quatro vezes o primeiro volume. Para memória futura, guardei todas as versões. A única coisa que se manteve igual entre a primeira versão e a final são os nomes. Quando eu escolho os nomes das minhas personagens é para sempre.

7.  Na verdade, a minha primeira tentativa de escrita foi na visão do Matt. Abandonei-a para escrever a da Anna e escrevi toda a história na versão dela. Estou neste momento a escrever a versão do Matt: uma visão completamente diferente, muito mais cruel, dolorosa e fria. Não sei se todas as pessoas que lerem a versão da Anna serão corajosas para ler a versão do Matt – eu própria, no interregno de quase um ano, fui adiando esta verdade. A pedido de alguns amigos próximos, tomei a decisão de escrever pelo menos o primeiro volume.

8. Suicídio. Uma palavra que assusta até os mais fortes. Ouvi muitas vezes que não ia conseguir misturar romance com este tema. Fui com medo. Este é um dos maiores problemas de saúde mental. A OMS receia que em 2020 se atinja um milhão e meio de mortes por suicídio. É a segunda causa de morte entre jovens. É preciso fazer alguma coisa: prevenir, recuperar, tratar. Tenho esperança – talvez fé, também – que esta história chegue a todos os corações pretos que querem acabar com a sua própria vida.

9. Anna Hardy foi a personagem mais fácil que já desenhei até hoje. Ela é quase perfeita e simboliza todas as pessoas que continuam lado a lado com os suicidas, que não desistem, que não deixam de amar ainda e apesar de tudo.

10. Matthew Cooper é a personagem mais difícil que já construí. Ele é mentalmente muito complexo, arrojado e demasiado inteligente para que algum dia consiga defini-lo na totalidade. Ele é tão frio como quente. Tudo o que ele faz, tudo o que ele imagina… é por amor: primeiro à família, depois à Anna. Lá no fundo, ele é um coração preto muito altruísta.

11. A ideia inicial era só escrever um volume, mas a paixão pela história de amor de Anna e Matt mostrou-me que não valia a pena contrariar a certeza de que o amor não é um antídoto, mas um remédio. O que significa que um suicida não se “cura” por se apaixonar. É preciso continuar a batalhar, muitas vezes durante anos. É por isso que a história é longa. Acreditar que um suicida se cura por encontrar o amor é mais uma das ideias erradas em torno deste tema.

12.  As rosas brancas são um símbolo do amor entre estas personagens – a capa de BH abre o véu para um desfecho calculável. Não haverá um único lugar onde ele a leve onde não haja rosas. Ela é a própria rosa desta história 🖤

13. Quando eu comecei, eu dizia que dedicaria o meu ainda-não-livro a todas as pessoas que me tinham dito até já e nunca mais voltaram. Afinal, Black Heart é mais especial do que isso. Black Heart é uma homenagem à força dos amores sem tempo, às relações difíceis e é de todos aqueles que se arriscarem a sonhar com eles.  Está dedicado à minha avó, porque sei que onde ela está certamente assiste ao quão longe pude ir na escrita.

14.  Escrevi sempre a ouvir música e se pudesse escolher uma – e apenas uma – melodia para acompanhar a leitura, de certeza que escolheria “Photograph” (versão dos Boyce Avenue com a Bia Miller).

15. Tenho um momento preferido deste primeiro volume que vem acompanhado com a frase “o teu corpo é o único lugar do mundo onde não penso em morrer”.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Uma gargalhada de tristeza



Ela dança,
roda, roda e roda sem fim.
Ela ergue o olhar de esperanças,
procura as verdades escondidas por detrás do coração,
rega as suas plantas e desenha os seus jardins.
Ainda assim,
ela está exausta de parecer feliz.

domingo, 30 de dezembro de 2018

A criação dos diálogos

O diálogo é - indiscutivelmente - a minha parte preferida de qualquer história. Quando as personagens falam, tudo se torna mais real, mais forte, mais profundo. É aquele momento em que me debruço e deixo fluir, deixo as personagens serem elas próprias, revelarem-se, dizerem quem são, porque são assim, para onde vão... Bons diálogos transmitem veracidade à história. De entre tudo, é aqui que eu afundo e também é aqui que mais me entrego.

Características do diálogo

~ a estrutura:

Alguns de vós perguntar-se-ão para que é preciso saber a estrutura dos diálogos, outros passarão este tópico à frente, porque não interessa, mas a verdade é que há imensos textos nas plataformas online que apresentam estruturas muito desapropriadas para os diálogos. Ninguém aqui é Saramago, portanto vamos seguir as regras:

* Usar travessão antes da fala da personagem: – 
* Usar travessão se acrescentar informações depois da fala: 
* Inserir parágrafo  para mudar de interlocutor/ personagem
* Respeitar as regras acima com rigor
* Relembrar as regras gramaticais da língua, nomeadamente em termos de pontuação
* Concordar a pontuação com o verbo associado (se termina com ponto de interrogação e quiser escrever informação referencial, use o verbo perguntar ou questionar ou outro sinónimo)

Explore a sua personagem no habitat dela: a fala. 

~ o "narrador":

Como as minhas histórias são sempre escritas na 1ª pessoa, o narrador é sempre a personagem principal; no entanto, há quem escreva na 3ª pessoa. Independentemente de quem é o narrador da sua história, encontre-o. É ele que vai contar a história ao leitor: a sua (1ª pessoa) ou a do outro/ de alguém (3ª pessoa).

~ verbos referenciais de diálogo:

Costumo distinguir os verbos em três grupos:

- linguagem  (disse, perguntou, falou, murmurou...)
- sentimentos/ perceções/emoções (senti, doeu, almejei, desejei, precisei...)
- postura e gestos (olhei, desviei o olhar, encolhi os ombros...)

Faço listas. Procuro sinónimos. Sou chata nisto. Se repetir duas vezes seguidas "disse" preciso de substituir rapidamente um deles.

Acredito que não precisamos de encher o diálogo de informações complementares, devemos preocupar-nos em fornecer ao leitor o máximo de referências possíveis para que ele acompanhe a história seja ao nível de sentimentos, de perceções, da forma como as personagens reagem, seja através dos movimentos, do espaço, do ambiente.

Exemplo:

-  dizer/ murmurar/ falar/ responder/ sussurrar/ bramir/ resmungar/ protestar/ uivar / gritar/ esquivar-se/ guinar / vociferar/ exclamar / perguntar / avisar / persuadir/ criticar/ avaliar/ desabrochar/ ....

Exemplo de diálogo 1:

Ele voltou-se para mim com um olhar fulminante.
- De certeza que estás bem? - perguntou ironicamente.
- O que tens tu com isso? - devolvi numa postura altiva e senti o coração espalmar-se contra o meu peito.

Exemplo de diálogo 2:

Ele voltou-se para mim.
- De certeza que estás bem?
- O que tens tu com isso?

observação: no diálogo 1 temos mais informação complementar, percebemos o estado de espírito das personagens, no diálogo 2 não temos essa informação, mas ela faz falta? Não sei, não li o que estava antes... a questão é que é o escritor que sabe se é preciso colocar informações e referências ou não. Pergunte-se se precisa. Experimente fingir que é leitor (vai ser, para sempre, leitor da sua história, pratique).
Haverá momentos em que optará por colocar informações extra nos diálogos e noutras situações não precisará. Seja sensível ao diálogo, encontre o que precisa de lá colocar: sem medo, se falhar, faça de novo.

observação: respeite os tempos verbais, se escreve no presente, faça-o sempre no presente, a não ser que faça sentido usar um dos pretéritos.

Aprenda verbos novos, estenda-se ao comprido quando for para escrever, abarque tudo, não deixe nada por explorar e perceba que um bom escritor não nasce ensinado, precisa de trabalhar muito e de crescer todos os dias na escrita.

~ os adjetivos:

Um bom diálogo complementa as características próprias deste tipo de texto não só com as regras gramaticais da língua, mas também com outros elementos, nomeadamente os verbos e os adjetivos.

O uso desta classe gramatical (adjetivo) deve ser propício para transmitir informações sobre as personagens e dar-lhes "vida".
Se precisar, faça listas de adjetivos, também. Que mal tem? Nenhum. Enquanto faz as listas, apreende, quando apreende já nem precisa de estar sempre a olhar para a lista. Depois agrupe com os verbos em sintonia com o que quer dizer, como quer dizer, o que estão as personagens a dizer/a fazer. Aqui não há regras, nem segredos, nem conselhos. É a sua história, terá que a contar como quiser (o livre arbítrio dos escritores).

Desenvolvimento do diálogo

Acredito que os tópicos acima (características do diálogo) são as bases, as paredes e o teto são trabalho exclusivo daquele que escreve. Aproveite os diálogos para transmitir o que quer sobre as suas personagens. Podemos dizer muito na narração, na descrição, mas nada melhor do que vermos realmente a acontecer: o diálogo é o momento em que as personagens aparecem em cena e em tempo real transformam a história em algo concreto. Deixe-as falar. Deixe-as mostrarem-se. Deixe-as fazerem rir, chorar ou até chocar o leitor. Deixe-as chegar perto do leitor! Saia da frente (narrador) e deixe as personagens mostrarem quem elas são sem filtros, sem depurações, sem quaisquer embelezamentos. Não há personagens perfeitas, há personagens reais e complexas. O diálogo é o momento a solo das personagens.


Nota final: 

Vai encontrar muitos livros cheios de regras de como escrever diálogos. Não se deixe contaminar, nem permita que o tomem como burro ou parvo, o escritor é dono da sua história e deve seguir o seu próprio caminho quando escreve os seus diálogos, quando põe as suas personagens a falar. Ainda assim, devemos conhecer as regras só para termos o gosto de as saber contornar, de conseguir brincar com a língua como se fosse um jogo.
Dê o seu melhor, como sempre. Só o melhor é pedido quando se escreve.

domingo, 23 de dezembro de 2018

Mark Time

I was shattered to see the time run,
Always waiting for the best,
Counting the days, the hours, the minutes.
Living for to give the future by yesterday.
I walked more and I felt myself fading.
I was ready to fail.
To end up in an alley, in a deep hole without light.
Like a balloon, writing led me away.
No matter where I was born, where I live now 
or who I am when I don't write.
Let me give you more by writing.
Blow me when I pass.
Read my stories,
love my characters, my worlds, my words
and everything will be alright.
And if it doesn't stay, it's 'cause it's not over yet.
My stories are my brand in this Time, 
the proof i've been here one day. 

~ Lauren Lewis 

sábado, 15 de dezembro de 2018

A CONSTRUÇÃO DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS

Talvez o elemento mais importante de uma história sejam as suas personagens, porque afinal são eles que fazem as histórias.
Enquanto leitora, às vezes sinto dificuldade em defender uma personagem, faltam-lhe partes, o mais grave é quando lhe falta um coração ou uma alma em que nos possamos encontrar a nós próprios ou a outras pessoas. Enquanto criadora de histórias, dedico-me muito à conceção das personagens, sobretudo das principais, embora algumas secundárias também sejam engraçadas de desenhar. São essas que designamos como "secundárias" que muitas vezes trazem ao de cima o melhor, o pior e o desconhecido daquelas para quem dedicamos todo o nosso tempo: as principais. E é dessas que vou falar sem regras, listas de procedimentos ou fórmulas secretas, porque já o disse, nada disso faz sentido para mim. 

 - Por onde começar?

Podia dizer-vos que quando começo a escrever uma história já tenho definidos os elementos essenciais para uma personagem principal, mas isso seria mentir. 

A primeira coisa que decido é o nome. Uma personagem sem nome, nem sequer é personagem (desculpem lá se isto soa snobe). Costumo escolher os nomes a partir de outras histórias de que gostei, de outras personagens, de outras inspirações. O importante é que o nome lhe soe a alguém e que goste dele - se o leitor não gostar terá que viver com ele, mas é o escritor que vai dar corpo, alma e vida à personagens, portanto seja egoísta, mas não muito, porque também será leitor da sua própria história. 
Faça pesquisas no google. Faça listas de nomes de que gosta. Escolha apelidos que lhe soem bem. Peça autorização a amigos e familiares para usar os nomes deles (não use nome próprio e apelido, a não ser que esteja mesmo a desenhar aquela pessoa ou pode dar uma ideia errada). A Stephanie Meyer utilizou o nome próprio dos irmãos para as personagens. Eu escolho o nome dos protagonistas a partir do nome verdadeiro de atores de filmes ou séries de que gosto muito (não se riam de mim, sou pouco imaginativa em nomes!). 
Depois de escolher o nome próprio e o apelido - por vezes escolho mais do que dois nomes, porque há imensa gente com três, quatro, cinco... nomes -, perco-me a tentar imaginar que tipo de pessoa será. Para isso, nada melhor do que ir à procura de inspiração. 

Nunca se esqueça para onde quer ir na sua história e mesmo que não saiba para onde vai, sabe a sua ideia, sabe o "tema", sabe o que quer que aconteça. Criar personagens também exige tomada de decisões (lá estou eu, outra vez, a falar em decisões, porque elas são precisas, está bem? Eu sei que está.). 
Pense, pense muito, pense a sério. 
Pense, por exemplo, no que quer, no que não quer e faça(-lhe)/-se perguntas.

- A minha personagens gosta de chá ou de café? Ou dos dois?
- É alta, baixa, gorda, magra, tudo e nada?
- Gosta de desporto? De música? De teatro?
- Gosta de quê?Faz o quê? Mora onde? Quer o quê?
- Como era o passado? Como vê o presente e o futuro?

Ponha o(a) namorado(a), o amigo, a amiga, o primo e quem quiser a fazer-lhe perguntas sobre a pessoa imaginária que irá existir POR SUA CULPA. Se quiser desistir, lembre-se que essa pessoa só irá existir POR SUA CULPA. Eu sei que escrevi duas vezes em letra maiúscula, mas é para ter a certeza de que decorou isto, para futuramente se segurar nesta ideia quando achar que todas as personagens já foram inventadas e que as melhores histórias do mundo já foram escritas. Quer saber um segredo? Há lugar para termos muitas histórias e personagens. As suas podem fazer história.
 


- Onde encontrar a inspiração?


Em todo o lado.  
Avisei que gostava de cliché? Pois é, ele tinha que vir.

Filmes. Séries. Livros. Livros outra vez. Livros novamente. Revistas. Anúncios de televisão. Telenovelas (se gostarem e virem, eu não vejo, mas fica registado que serve para inspiração). Jornais. Filas do supermercado. Trânsito. Esplanada. Cinema. Centro Comercial. Imaginação... 

Portanto, a inspiração pode vir de tudo e de qualquer lado. Não precisamos de nos centrar todos numa biblioteca a ler os livros todos que existem - embora, para mim, a maior fonte seja mesmo a leitura. A seguir, a observação dos outros em diferentes contextos. 

Se há uma coisa que alguém faça repetidamente que o irrite ou que lhe agrade, use isso. Por exemplo, se alguém abana o pé. Se tem por hábito dançar mal ouve música. Se usa expressões engraçadas ou se gosta de aliterações (Réplica Restituída de Romances) aproveite-se disso. Se passa por si uma pessoa que empurra os óculos para cima num movimento lento e suave como seda, aproveite isso. Não deixe que nada lhe passe ao lado. Aproprie-se do que está ao seu redor e não deixe de trabalhar a mente, a criatividade começa quando nos dispomos a olhar ao nosso redor e a ler aquilo que observamos. É a partir da inspiração constante, diária, momentânea, permanente e instantânea que conseguimos encontrar características reais, verdadeiras e credíveis. Baseie-se na realidade. 

- Como conferir realidade às personagens?

Criando-as. Escrevendo-as. Dando-lhes voz através dos diálogos. Criando cenários em que elas se possam revelar. Conferindo-lhes tempo, espaço e momentos. Atribuindo-lhes uma vida, uma casa, uma família, um círculo de amigos, aquilo que quiser. 

Parece simples? Acredite que é. Só precisa de se lembrar que elas são reais e é aqui que muitos de nós escorregam, porque nos esquecemos de acreditar verdadeiramente que elas são reais e que existem - oh, se existem. 


- Quando sabemos que temos uma personagem complexa?

Quando a vê em todo o lado e ela não a deixa dormir. 
Okay, agora é aquele momento em que vai pensar em eu não sou normal. Nunca vi nenhum "escritor" ser normal, portanto até é um elogio. 

As personagens têm que se tornar pessoas de verdade a quem só lhes falta o corpo, porque têm tudo o resto para viver depois de nós. Flaubert, a propósito da sua célebre obra "Madame Bovary", disse Eu estou a morrer, mas aquela puta da Madame Bovary viverá para sempre e também foi ele que disse que Não se faz nada de grande sem fanatismo. Portanto, aqui compreenderá que as personagens têm que ser tão reais como aquilo a que abusivamente chamamos de real (citando, mais ou menos, Fernando Pessoa).

A complexidade de uma personagem vem através das suas singularidades. Obrigue-se a construir alguém novo, diferente, uma pessoa que não existe, mas que existirá e viverá mesmo quando o seu criador desaparecer. Há demasiados livros e demasiadas personagens, mas também há muitas que são superficiais, tão finas como a página de um livro que se lhe fizermos um buraco vemos o outro lado e não a profundidade que se almeja. 

- E se concluirmos que a personagem não é complexa?

Chateie-se. Bata o pé. Amue. Grite. Faça o que lhe apetecer, mas depois inspire-se em si próprio. Uma personagem que se chateia, que bate o pé, que amua e que grita é com certeza o extremo e o melhor dos dois mundos: pode ser odiada ou amada, mas também fará rir muitos leitores.

Quer que a sua personagem faça rir ou chorar?
Quer que a sua personagem seja amada ou odiada?

Entregue-se a ela. 
Ninguém faz nada num dia. Nem em apenas uma única tentativa.
Se quer que a sua personagem sobreviva a si, então dê-lhe tempo, deixe-a desabrochar. 

Eu própria, em tempos, entristecia, porque não corria bem ao fim de uma página. Depois, consegui um controlo que não é assim tão forte, confesso, mas dá-me para viver nisto sem morrer todos os dias. 
A minha "fórmula secreta" (disse que não tinha, mas sou capaz de ter) para construir uma personagem é o tempo. Dou tempo às personagens e dou-me tempo a mim mesma para as ver crescer. Regresso todos os dias. Insiro palavras, mudo palavras, altero palavras, corrijo palavras. E tudo vai-se tornando mais real aos meus olhos. Tão real como eu própria - embora haja dias que não sei quem é mais real se eu, se as personagens. :) 

Nota final:

Por favor, não leve nada do que eu escrevo "à letra". 
Sabe, eu também estou em construção constante. Parece-me, no entanto, que alguns de nós precisam de refletir. É isso que eu procuro fazer: refletir sobre importantes partes das histórias sem conferir às minhas palavras um pendor que elas não têm - o da exclusividade. Simplesmente gostava muito (e digo-o com total honestidade) que há três anos, quando comecei a escrever, alguém me tivesse dito estas coisas. Por isso, talvez exista alguém, aí desse lado, que goste de as ler. 
Apelo para que encontre o seu caminho, o seu modo de escrever a sua história e que faça disso a sua própria regra - não siga as normas dos outros, porque nós somos todos diferentes quando escrevemos. Fazer as nossas próprias regras, crescer no nosso próprio caminho, errar nos nossos erros e aprender com aquilo que fazemos é uma dádiva. Há quem diga que temos "sorte" por vivermos numa época em que podemos escrever sem termos ninguém a controlar-nos. A sorte é uma metáfora para a dedicação que se coloca no que se faz.
Dê sempre o melhor de si. É isso que os grandes escritores fazem e eles também já estiveram aqui - neste começo inócuo de quem tem muito mais para nascer em histórias. 

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

COMO ENCONTRAR E MANTER O FIO NARRATIVO?

Não é possível definir "fio narrativo" sem antes apresentar alguns dos pontos-chave que ajudam a perceber qual é o fio narrativo da história que estamos a escrever e como podemos mantê-lo. 
Alerto que o que aqui se apresenta é um ponto de vista baseado no meu trabalho e nos meus conhecimentos, não pretende ser uma lista de regras. 
Escrever é uma relação que se cria entre o "escritor" e a sua própria imaginação com recurso às palavras, não deve ser entendida como um processo idêntico/ igual para todos nós. Cada um deve encontrar a sua própria relação com a escrita. O que aqui vos apresento é a minha maneira de trabalhar. 

O PONTO DE PARTIDA: o tema e o género.

As histórias são como estendais que se vão preenchendo com peças. Para que haja sequência entre uma e outra peça - um e outro episódio - é preciso que cada peça faça sentido num determinado contexto ou cairemos no ridículo de andar a colar capítulos sem qualquer ligação entre si. 
É preciso, muito antes sequer de começar, ter um ponto de partida, uma "mensagem/ideia", vulgarmente também conhecido como o "tema". Muitas vezes, começamos apenas com a vontade de escrever uma história e um fragmento muito pequenino de uma ideia que gostaríamos de desenvolver. Só! E com o tempo tornam-se histórias tão profundas que nem sabemos como lá chegámos, portanto, repito, o importante é ter alguma coisa e se não tivermos, teremos que arranjar. Por norma, há sempre qualquer coisa sobre a qual queremos escrever, então, vamos investir nisso. 
Como? 
Estudando essa ideia e trabalhando nela. Ler livros, procurar na internet, falar com pessoas, ver filmes, observar os outros e deixar a imaginação fluir. 
Anotem tudo o que encontrarem (mesmo que possa não ser assim tão relevante), mais tarde podem voltar às vossas notas para encontrarem as respostas aos bloqueios, às perguntas, aos mil e um dilemas que quem se atreve a escrever uma história enfrenta. 

Depois, escolha o seu género. Não o faça para ser melhor do que "fulano", por favor, a escrita não é uma competição, mas também não entre nisto para desistir ou falhar, está bem? Coragem. O caminho é seu, ninguém o está a empurrar. Escrever deve ser algo seu e apenas seu, depois partilhe com os outros (mais para a frente). 

Quer escrever um romance? Vá ler romances e ver filmes romanticos desde o cliché até ao mais dramático possível. Também há a parte cómica/divertida. Pode ser importante, se quiser dar uma ligeireza na história se entretanto o tema for pesado.

Quer escrever um thriller? Vá ler thrillers e ver filmes. 

E por aí fora... 

Ninguém deve entrar num género sem ter lido bastante e conseguir citar de cor pelo menos cinco livros de diferentes autores. É importante saber de cor (mesmo de cor) as características comuns do género que queremos trabalhar. Dá muito trabalho? Pois, esse é um dos problemas da escrita... se não quiser ter trabalho, pode sempre adquirir livros já escritos. :) 

Acredito que a maioria dos "escritores" ou que querem ser qualquer coisa na escrita já fizeram isso tudo - já leram muitos livros (mais do que qualquer outra pessoa que conheça), sabe distinguir uma crónica de um romance, interpreta poesia dentro dos limites e também é inteligente o suficiente para saber que escrever é um dos trabalho mais mal pagos da sociedade... 
E, assim, pode seguir para a próxima fase na qual é A PESSOA MAIS IMPORTANTE. Já disse isto? Pois é, ninguém lho vai dizer, mas se escrever uma história - seja ela qual for - será sempre, mas sempre, a pessoa mais importante dessa história: é o criador. Nunca se esqueça que ela só vai existir, porque a escreveu. 

AS ESCOLHAS: 

Costumo dizer sistematicamente que a escrita de um livro é uma sucessão de escolhas. Aquele que escreve deve escolher o que considera ser o melhor: o nome das personagens; o perfil físico e psicológico; estrutura familiar; espaço físico onde se desenrola a história e o respetivo tempo cronológico. Há um enorme tempo de escolhas durante o primeiro terço da narração (mais ou menos). 
Nada disto é imediato e podemos descobrir muitos destes aspetos literários enquanto se escreve. A escrita é um caminho que se faz escrevendo. Ninguém vai deixar de escrever um livro só porque não tem logo tudo decidido quando começa. Aliás, desconfio imenso daquelas pessoas que dizem que sabiam tudo desde o início, porque nunca ninguém sabe tudo. Há sempre uma enormidade de coisas novas que vamos descobrindo enquanto escrevemos. Confesso que isso é uma das minhas maiores motivações para escrever: a constante descoberta. Quem me acompanha neste trilho sabe perfeitamente que nunca pode confiar no que eu digo, porque acabo sempre por alterar, mudar, acrescentar coisas novas. É um trabalho constante.
Escolha, mas escolha em consciência. Faça-o de verdade, procure encontrar propósitos e justificações minimamente verdadeiras para ter feito "aquilo". Não se perca aqui. A sua história precisa de escolhas. Faça uma lista do que precisa de escolher e vá completando como se fosse um jogo. Divirta-se e não deixe de dormir (pelo menos nesta fase inicial). Escolha sem filtros, sem medos e com consciência de que a qualquer momento pode voltar atrás e fazer de novo, se entretanto descobrir algo melhor - eu já o fiz, reescrevi 4x o primeiro volume de BH. Às vezes, as histórias só se encontram quando falhamos e voltamos atrás para fazer de novo. Seja verdadeiro consigo mesmo quando escolhe, porque a história é SUA. 

MANTER AS ESCOLHAS: 

Depois de termos algumas escolhas feitas (para as quais, com o tempo, encontraremos justificações plausíveis, mesmo que ao início não as compreendamos), há que saber manter a coerência narrativa. É aqui que muitos de nós erram. Se escrevemos vários episódios em que a personagem age de forma brusca, não podemos, perante um novo desafio, fazê-la aceitar o inevitável com um sorriso no rosto. Esta manutenção deve ser firme e rigorosa. Se a personagem tem cabelo AZUL, por favor, não digam na página 300 que ela tem cabelo VERDE, a não ser que o leitor tenha sido informado que ela pintou o cabelo. Não lhe chamem ANTÓNIA, quando no início era a MARIA. Parece ridículo, mas isto acontece muitas vezes. Manter as nossas escolhas é uma das formas mais íntegras de defendermos as nossas histórias
Para ajudar nesta fase, se não dormirem com as personagens e as virem em todos os lados, façam listas. Arranjem um caderno e escrevam tudo o que sabem sobre elas. Façam esquemas, se isso vos ajudar. Encontrem a melhor forma de manter as escolhas, porque fazê-lo confere sentido de verdade e consistência à história - não sei como chegar lá de outro modo. Além disso, torna as personagens reais como aquelas que se cruzam consigo na rua. Quem é que quer ficar à margem, quando pode ir até ao fundo? Há tantas histórias que ficam muito longe do que podiam ser. Uma personagem complexa ajuda a ter uma história verdadeira. 

ENCARAR O PERFIL DA HISTÓRIA E DAS PERSONAGENS:

Uma das etapas mais fortes da escrita é aquela em que percebemos que a decisão começa a ser quase mínima, nós tornamo-nos cada vez mais apenas nos contadores da história, já não nos desenhadores. Continuamos a construir episódios, a apresentá-los e a torná-los reais, mas já sabemos perfeitamente como a personagem vai reagir - ainda assim, surpreenda o leitor, só não vale defraudar as expectativas. É injusto, não é? Andamos a convencer o leitor de que a MARIA vai ficar com o PEDRO e ela acaba sozinha. E nós até sabemos que ela não quer ficar sozinha... não vale ser mau para as personagens, muito menos para os nossos leitores. Ter consciência do que é melhor para a história é saber aceitar que foi assim que quisemos que fosse quando fizemos as nossas escolhas. 
Muitos escritores conhecidos referem este ponto com alguma sabedoria, referem o quão apaziguador é saberem que perante A e B, a personagem vai escolher A, porque é assim que a personagem é. Não vale a pena contrariar a essência da personagem e a própria direção da história quando fomos nós que decidimos assim (na altura das escolhas).

Se chegar aqui e quiser bater com a cabeça na parede, porque "afinal" não faz sentido para si, arregace as mangas e volte atrás. Faça de novo de maneira a que a sua consciência fique tranquila e o seu coração feliz com o resultado. Desistir não é opção, não é opção para quem já foi tão longe.


FIO NARRATIVO OU SEQUÊNCIA NARRATIVA: coerência e coesão literárias.

Infelizmente, não há uma ciência exata que me permita dizer de forma simples como se chega a isto - penso que, simplesmente, na nossa cabeça, depois de termos feito tantas escolhas, de conhecermos as personagens, de sabermos "o que acontece" e "como acontece", conseguimos olhar para o nosso "estendal" e encontrar uma ligação entre tudo. Talvez seja algo que depende de nós próprios, da história que decidimos escrever, da forma como lidamos com a escrita e os seus múltiplos trilhos. 

Uma das minhas formas preferidas de compreender se estou a conseguir ter uma sequência que faça sentido é reler. Muitas vezes, simplesmente volto ao começo de tudo. Para mim esse procedimento é fundamental. Ajuda-me imenso a antecipar a revisão, porque, particularmente, sou uma pessoa muito rigorosa e levo isto a sério (levo mesmo, não o estou a escrever só porque é bonito). Sou incapaz de ler uma página sem acrescentar coisas, reescrever partes, corrigir pormenores que parecem insignificantes. 
Se a releitura não for o suficiente para perceber se há uma sequência, faça um estendal: arranje um fio, use molas e vá juntando papelinhos com os "episódios", não se esqueça de unir (sabe-se lá como) o tema, as personagens, o espaço, o tempo e todas as outras informações sobre a história. Faça uma teia visual, se isso o ajudar ou então um grande desenho. Temos que conseguir visualizar a nossa história - se conseguir fazer isso mentalmente, melhor, mas se não for capaz, isso não o torna menos escritor.

CONCLUIR A HISTÓRIA: o final.

Só porque já escrevemos quinhentas páginas, não julgue que um epílogo - ao estilo telenovela - resolve o assunto. Sim, claro que é normal, muito normal e usual, mas faça o favor de dar à sua história tudo o que ela merece: um final é tão importante como qualquer outra parte.
Ernest Hemingway reescreveu o final de "Adeus às armas" 39 vezes. Não precisa de reescrever o seu, somente não destrua o fio narrativo que tanto trabalho deu a construir só porque tem "mesmo" que acabar a história. A história só acaba quando o escritor quiser e como quiser, pelo menos até ter um editor a ralhar consigo, porque o desiludiu no final (se ele for leitor).

APONTAMENTO GERAL: o processo de escrita como um todo.

Perca-se nesta fase. Acredite em mim: escrever é a fase mais incrível da experiência de ter uma história. É aquele momento em que tudo é nosso (só nosso) e sabe tão bem não termos ninguém para desiludir só porque escrevemos algo que decidimos escrever. Viva este momento como se fosse o único. Ter um livro não começa na publicação, um livro começa quando decidimos escrevê-lo. 

. Há quem diga que escrever histórias é uma das poucas formas de imortalizarmos os nossos pensamentos: eu não tenho dúvidas disso. 

Dê o seu melhor. Ame o que escreveu. É seu. E será sempre seu. 




Doce memória, eterno amor