domingo, 30 de dezembro de 2018

A criação dos diálogos

O diálogo é - indiscutivelmente - a minha parte preferida de qualquer história. Quando as personagens falam, tudo se torna mais real, mais forte, mais profundo. É aquele momento em que me debruço e deixo fluir, deixo as personagens serem elas próprias, revelarem-se, dizerem quem são, porque são assim, para onde vão... Bons diálogos transmitem veracidade à história. De entre tudo, é aqui que eu afundo e também é aqui que mais me entrego.

Características do diálogo

~ a estrutura:

Alguns de vós perguntar-se-ão para que é preciso saber a estrutura dos diálogos, outros passarão este tópico à frente, porque não interessa, mas a verdade é que há imensos textos nas plataformas online que apresentam estruturas muito desapropriadas para os diálogos. Ninguém aqui é Saramago, portanto vamos seguir as regras:

* Usar travessão antes da fala da personagem: – 
* Usar travessão se acrescentar informações depois da fala: 
* Inserir parágrafo  para mudar de interlocutor/ personagem
* Respeitar as regras acima com rigor
* Relembrar as regras gramaticais da língua, nomeadamente em termos de pontuação
* Concordar a pontuação com o verbo associado (se termina com ponto de interrogação e quiser escrever informação referencial, use o verbo perguntar ou questionar ou outro sinónimo)

Explore a sua personagem no habitat dela: a fala. 

~ o "narrador":

Como as minhas histórias são sempre escritas na 1ª pessoa, o narrador é sempre a personagem principal; no entanto, há quem escreva na 3ª pessoa. Independentemente de quem é o narrador da sua história, encontre-o. É ele que vai contar a história ao leitor: a sua (1ª pessoa) ou a do outro/ de alguém (3ª pessoa).

~ verbos referenciais de diálogo:

Costumo distinguir os verbos em três grupos:

- linguagem  (disse, perguntou, falou, murmurou...)
- sentimentos/ perceções/emoções (senti, doeu, almejei, desejei, precisei...)
- postura e gestos (olhei, desviei o olhar, encolhi os ombros...)

Faço listas. Procuro sinónimos. Sou chata nisto. Se repetir duas vezes seguidas "disse" preciso de substituir rapidamente um deles.

Acredito que não precisamos de encher o diálogo de informações complementares, devemos preocupar-nos em fornecer ao leitor o máximo de referências possíveis para que ele acompanhe a história seja ao nível de sentimentos, de perceções, da forma como as personagens reagem, seja através dos movimentos, do espaço, do ambiente.

Exemplo:

-  dizer/ murmurar/ falar/ responder/ sussurrar/ bramir/ resmungar/ protestar/ uivar / gritar/ esquivar-se/ guinar / vociferar/ exclamar / perguntar / avisar / persuadir/ criticar/ avaliar/ desabrochar/ ....

Exemplo de diálogo 1:

Ele voltou-se para mim com um olhar fulminante.
- De certeza que estás bem? - perguntou ironicamente.
- O que tens tu com isso? - devolvi numa postura altiva e senti o coração espalmar-se contra o meu peito.

Exemplo de diálogo 2:

Ele voltou-se para mim.
- De certeza que estás bem?
- O que tens tu com isso?

observação: no diálogo 1 temos mais informação complementar, percebemos o estado de espírito das personagens, no diálogo 2 não temos essa informação, mas ela faz falta? Não sei, não li o que estava antes... a questão é que é o escritor que sabe se é preciso colocar informações e referências ou não. Pergunte-se se precisa. Experimente fingir que é leitor (vai ser, para sempre, leitor da sua história, pratique).
Haverá momentos em que optará por colocar informações extra nos diálogos e noutras situações não precisará. Seja sensível ao diálogo, encontre o que precisa de lá colocar: sem medo, se falhar, faça de novo.

observação: respeite os tempos verbais, se escreve no presente, faça-o sempre no presente, a não ser que faça sentido usar um dos pretéritos.

Aprenda verbos novos, estenda-se ao comprido quando for para escrever, abarque tudo, não deixe nada por explorar e perceba que um bom escritor não nasce ensinado, precisa de trabalhar muito e de crescer todos os dias na escrita.

~ os adjetivos:

Um bom diálogo complementa as características próprias deste tipo de texto não só com as regras gramaticais da língua, mas também com outros elementos, nomeadamente os verbos e os adjetivos.

O uso desta classe gramatical (adjetivo) deve ser propício para transmitir informações sobre as personagens e dar-lhes "vida".
Se precisar, faça listas de adjetivos, também. Que mal tem? Nenhum. Enquanto faz as listas, apreende, quando apreende já nem precisa de estar sempre a olhar para a lista. Depois agrupe com os verbos em sintonia com o que quer dizer, como quer dizer, o que estão as personagens a dizer/a fazer. Aqui não há regras, nem segredos, nem conselhos. É a sua história, terá que a contar como quiser (o livre arbítrio dos escritores).

Desenvolvimento do diálogo

Acredito que os tópicos acima (características do diálogo) são as bases, as paredes e o teto são trabalho exclusivo daquele que escreve. Aproveite os diálogos para transmitir o que quer sobre as suas personagens. Podemos dizer muito na narração, na descrição, mas nada melhor do que vermos realmente a acontecer: o diálogo é o momento em que as personagens aparecem em cena e em tempo real transformam a história em algo concreto. Deixe-as falar. Deixe-as mostrarem-se. Deixe-as fazerem rir, chorar ou até chocar o leitor. Deixe-as chegar perto do leitor! Saia da frente (narrador) e deixe as personagens mostrarem quem elas são sem filtros, sem depurações, sem quaisquer embelezamentos. Não há personagens perfeitas, há personagens reais e complexas. O diálogo é o momento a solo das personagens.


Nota final: 

Vai encontrar muitos livros cheios de regras de como escrever diálogos. Não se deixe contaminar, nem permita que o tomem como burro ou parvo, o escritor é dono da sua história e deve seguir o seu próprio caminho quando escreve os seus diálogos, quando põe as suas personagens a falar. Ainda assim, devemos conhecer as regras só para termos o gosto de as saber contornar, de conseguir brincar com a língua como se fosse um jogo.
Dê o seu melhor, como sempre. Só o melhor é pedido quando se escreve.

domingo, 23 de dezembro de 2018

Mark Time

I was shattered to see the time run,
Always waiting for the best,
Counting the days, the hours, the minutes.
Living for to give the future by yesterday.
I walked more and I felt myself fading.
I was ready to fail.
To end up in an alley, in a deep hole without light.
Like a balloon, writing led me away.
No matter where I was born, where I live now 
or who I am when I don't write.
Let me give you more by writing.
Blow me when I pass.
Read my stories,
love my characters, my worlds, my words
and everything will be alright.
And if it doesn't stay, it's 'cause it's not over yet.
My stories are my brand in this Time, 
the proof i've been here one day. 

~ Lauren Lewis 

sábado, 15 de dezembro de 2018

A CONSTRUÇÃO DAS PERSONAGENS PRINCIPAIS

Talvez o elemento mais importante de uma história sejam as suas personagens, porque afinal são eles que fazem as histórias.
Enquanto leitora, às vezes sinto dificuldade em defender uma personagem, faltam-lhe partes, o mais grave é quando lhe falta um coração ou uma alma em que nos possamos encontrar a nós próprios ou a outras pessoas. Enquanto criadora de histórias, dedico-me muito à conceção das personagens, sobretudo das principais, embora algumas secundárias também sejam engraçadas de desenhar. São essas que designamos como "secundárias" que muitas vezes trazem ao de cima o melhor, o pior e o desconhecido daquelas para quem dedicamos todo o nosso tempo: as principais. E é dessas que vou falar sem regras, listas de procedimentos ou fórmulas secretas, porque já o disse, nada disso faz sentido para mim. 

 - Por onde começar?

Podia dizer-vos que quando começo a escrever uma história já tenho definidos os elementos essenciais para uma personagem principal, mas isso seria mentir. 

A primeira coisa que decido é o nome. Uma personagem sem nome, nem sequer é personagem (desculpem lá se isto soa snobe). Costumo escolher os nomes a partir de outras histórias de que gostei, de outras personagens, de outras inspirações. O importante é que o nome lhe soe a alguém e que goste dele - se o leitor não gostar terá que viver com ele, mas é o escritor que vai dar corpo, alma e vida à personagens, portanto seja egoísta, mas não muito, porque também será leitor da sua própria história. 
Faça pesquisas no google. Faça listas de nomes de que gosta. Escolha apelidos que lhe soem bem. Peça autorização a amigos e familiares para usar os nomes deles (não use nome próprio e apelido, a não ser que esteja mesmo a desenhar aquela pessoa ou pode dar uma ideia errada). A Stephanie Meyer utilizou o nome próprio dos irmãos para as personagens. Eu escolho o nome dos protagonistas a partir do nome verdadeiro de atores de filmes ou séries de que gosto muito (não se riam de mim, sou pouco imaginativa em nomes!). 
Depois de escolher o nome próprio e o apelido - por vezes escolho mais do que dois nomes, porque há imensa gente com três, quatro, cinco... nomes -, perco-me a tentar imaginar que tipo de pessoa será. Para isso, nada melhor do que ir à procura de inspiração. 

Nunca se esqueça para onde quer ir na sua história e mesmo que não saiba para onde vai, sabe a sua ideia, sabe o "tema", sabe o que quer que aconteça. Criar personagens também exige tomada de decisões (lá estou eu, outra vez, a falar em decisões, porque elas são precisas, está bem? Eu sei que está.). 
Pense, pense muito, pense a sério. 
Pense, por exemplo, no que quer, no que não quer e faça(-lhe)/-se perguntas.

- A minha personagens gosta de chá ou de café? Ou dos dois?
- É alta, baixa, gorda, magra, tudo e nada?
- Gosta de desporto? De música? De teatro?
- Gosta de quê?Faz o quê? Mora onde? Quer o quê?
- Como era o passado? Como vê o presente e o futuro?

Ponha o(a) namorado(a), o amigo, a amiga, o primo e quem quiser a fazer-lhe perguntas sobre a pessoa imaginária que irá existir POR SUA CULPA. Se quiser desistir, lembre-se que essa pessoa só irá existir POR SUA CULPA. Eu sei que escrevi duas vezes em letra maiúscula, mas é para ter a certeza de que decorou isto, para futuramente se segurar nesta ideia quando achar que todas as personagens já foram inventadas e que as melhores histórias do mundo já foram escritas. Quer saber um segredo? Há lugar para termos muitas histórias e personagens. As suas podem fazer história.
 


- Onde encontrar a inspiração?


Em todo o lado.  
Avisei que gostava de cliché? Pois é, ele tinha que vir.

Filmes. Séries. Livros. Livros outra vez. Livros novamente. Revistas. Anúncios de televisão. Telenovelas (se gostarem e virem, eu não vejo, mas fica registado que serve para inspiração). Jornais. Filas do supermercado. Trânsito. Esplanada. Cinema. Centro Comercial. Imaginação... 

Portanto, a inspiração pode vir de tudo e de qualquer lado. Não precisamos de nos centrar todos numa biblioteca a ler os livros todos que existem - embora, para mim, a maior fonte seja mesmo a leitura. A seguir, a observação dos outros em diferentes contextos. 

Se há uma coisa que alguém faça repetidamente que o irrite ou que lhe agrade, use isso. Por exemplo, se alguém abana o pé. Se tem por hábito dançar mal ouve música. Se usa expressões engraçadas ou se gosta de aliterações (Réplica Restituída de Romances) aproveite-se disso. Se passa por si uma pessoa que empurra os óculos para cima num movimento lento e suave como seda, aproveite isso. Não deixe que nada lhe passe ao lado. Aproprie-se do que está ao seu redor e não deixe de trabalhar a mente, a criatividade começa quando nos dispomos a olhar ao nosso redor e a ler aquilo que observamos. É a partir da inspiração constante, diária, momentânea, permanente e instantânea que conseguimos encontrar características reais, verdadeiras e credíveis. Baseie-se na realidade. 

- Como conferir realidade às personagens?

Criando-as. Escrevendo-as. Dando-lhes voz através dos diálogos. Criando cenários em que elas se possam revelar. Conferindo-lhes tempo, espaço e momentos. Atribuindo-lhes uma vida, uma casa, uma família, um círculo de amigos, aquilo que quiser. 

Parece simples? Acredite que é. Só precisa de se lembrar que elas são reais e é aqui que muitos de nós escorregam, porque nos esquecemos de acreditar verdadeiramente que elas são reais e que existem - oh, se existem. 


- Quando sabemos que temos uma personagem complexa?

Quando a vê em todo o lado e ela não a deixa dormir. 
Okay, agora é aquele momento em que vai pensar em eu não sou normal. Nunca vi nenhum "escritor" ser normal, portanto até é um elogio. 

As personagens têm que se tornar pessoas de verdade a quem só lhes falta o corpo, porque têm tudo o resto para viver depois de nós. Flaubert, a propósito da sua célebre obra "Madame Bovary", disse Eu estou a morrer, mas aquela puta da Madame Bovary viverá para sempre e também foi ele que disse que Não se faz nada de grande sem fanatismo. Portanto, aqui compreenderá que as personagens têm que ser tão reais como aquilo a que abusivamente chamamos de real (citando, mais ou menos, Fernando Pessoa).

A complexidade de uma personagem vem através das suas singularidades. Obrigue-se a construir alguém novo, diferente, uma pessoa que não existe, mas que existirá e viverá mesmo quando o seu criador desaparecer. Há demasiados livros e demasiadas personagens, mas também há muitas que são superficiais, tão finas como a página de um livro que se lhe fizermos um buraco vemos o outro lado e não a profundidade que se almeja. 

- E se concluirmos que a personagem não é complexa?

Chateie-se. Bata o pé. Amue. Grite. Faça o que lhe apetecer, mas depois inspire-se em si próprio. Uma personagem que se chateia, que bate o pé, que amua e que grita é com certeza o extremo e o melhor dos dois mundos: pode ser odiada ou amada, mas também fará rir muitos leitores.

Quer que a sua personagem faça rir ou chorar?
Quer que a sua personagem seja amada ou odiada?

Entregue-se a ela. 
Ninguém faz nada num dia. Nem em apenas uma única tentativa.
Se quer que a sua personagem sobreviva a si, então dê-lhe tempo, deixe-a desabrochar. 

Eu própria, em tempos, entristecia, porque não corria bem ao fim de uma página. Depois, consegui um controlo que não é assim tão forte, confesso, mas dá-me para viver nisto sem morrer todos os dias. 
A minha "fórmula secreta" (disse que não tinha, mas sou capaz de ter) para construir uma personagem é o tempo. Dou tempo às personagens e dou-me tempo a mim mesma para as ver crescer. Regresso todos os dias. Insiro palavras, mudo palavras, altero palavras, corrijo palavras. E tudo vai-se tornando mais real aos meus olhos. Tão real como eu própria - embora haja dias que não sei quem é mais real se eu, se as personagens. :) 

Nota final:

Por favor, não leve nada do que eu escrevo "à letra". 
Sabe, eu também estou em construção constante. Parece-me, no entanto, que alguns de nós precisam de refletir. É isso que eu procuro fazer: refletir sobre importantes partes das histórias sem conferir às minhas palavras um pendor que elas não têm - o da exclusividade. Simplesmente gostava muito (e digo-o com total honestidade) que há três anos, quando comecei a escrever, alguém me tivesse dito estas coisas. Por isso, talvez exista alguém, aí desse lado, que goste de as ler. 
Apelo para que encontre o seu caminho, o seu modo de escrever a sua história e que faça disso a sua própria regra - não siga as normas dos outros, porque nós somos todos diferentes quando escrevemos. Fazer as nossas próprias regras, crescer no nosso próprio caminho, errar nos nossos erros e aprender com aquilo que fazemos é uma dádiva. Há quem diga que temos "sorte" por vivermos numa época em que podemos escrever sem termos ninguém a controlar-nos. A sorte é uma metáfora para a dedicação que se coloca no que se faz.
Dê sempre o melhor de si. É isso que os grandes escritores fazem e eles também já estiveram aqui - neste começo inócuo de quem tem muito mais para nascer em histórias. 

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

COMO ENCONTRAR E MANTER O FIO NARRATIVO?

Não é possível definir "fio narrativo" sem antes apresentar alguns dos pontos-chave que ajudam a perceber qual é o fio narrativo da história que estamos a escrever e como podemos mantê-lo. 
Alerto que o que aqui se apresenta é um ponto de vista baseado no meu trabalho e nos meus conhecimentos, não pretende ser uma lista de regras. 
Escrever é uma relação que se cria entre o "escritor" e a sua própria imaginação com recurso às palavras, não deve ser entendida como um processo idêntico/ igual para todos nós. Cada um deve encontrar a sua própria relação com a escrita. O que aqui vos apresento é a minha maneira de trabalhar. 

O PONTO DE PARTIDA: o tema e o género.

As histórias são como estendais que se vão preenchendo com peças. Para que haja sequência entre uma e outra peça - um e outro episódio - é preciso que cada peça faça sentido num determinado contexto ou cairemos no ridículo de andar a colar capítulos sem qualquer ligação entre si. 
É preciso, muito antes sequer de começar, ter um ponto de partida, uma "mensagem/ideia", vulgarmente também conhecido como o "tema". Muitas vezes, começamos apenas com a vontade de escrever uma história e um fragmento muito pequenino de uma ideia que gostaríamos de desenvolver. Só! E com o tempo tornam-se histórias tão profundas que nem sabemos como lá chegámos, portanto, repito, o importante é ter alguma coisa e se não tivermos, teremos que arranjar. Por norma, há sempre qualquer coisa sobre a qual queremos escrever, então, vamos investir nisso. 
Como? 
Estudando essa ideia e trabalhando nela. Ler livros, procurar na internet, falar com pessoas, ver filmes, observar os outros e deixar a imaginação fluir. 
Anotem tudo o que encontrarem (mesmo que possa não ser assim tão relevante), mais tarde podem voltar às vossas notas para encontrarem as respostas aos bloqueios, às perguntas, aos mil e um dilemas que quem se atreve a escrever uma história enfrenta. 

Depois, escolha o seu género. Não o faça para ser melhor do que "fulano", por favor, a escrita não é uma competição, mas também não entre nisto para desistir ou falhar, está bem? Coragem. O caminho é seu, ninguém o está a empurrar. Escrever deve ser algo seu e apenas seu, depois partilhe com os outros (mais para a frente). 

Quer escrever um romance? Vá ler romances e ver filmes romanticos desde o cliché até ao mais dramático possível. Também há a parte cómica/divertida. Pode ser importante, se quiser dar uma ligeireza na história se entretanto o tema for pesado.

Quer escrever um thriller? Vá ler thrillers e ver filmes. 

E por aí fora... 

Ninguém deve entrar num género sem ter lido bastante e conseguir citar de cor pelo menos cinco livros de diferentes autores. É importante saber de cor (mesmo de cor) as características comuns do género que queremos trabalhar. Dá muito trabalho? Pois, esse é um dos problemas da escrita... se não quiser ter trabalho, pode sempre adquirir livros já escritos. :) 

Acredito que a maioria dos "escritores" ou que querem ser qualquer coisa na escrita já fizeram isso tudo - já leram muitos livros (mais do que qualquer outra pessoa que conheça), sabe distinguir uma crónica de um romance, interpreta poesia dentro dos limites e também é inteligente o suficiente para saber que escrever é um dos trabalho mais mal pagos da sociedade... 
E, assim, pode seguir para a próxima fase na qual é A PESSOA MAIS IMPORTANTE. Já disse isto? Pois é, ninguém lho vai dizer, mas se escrever uma história - seja ela qual for - será sempre, mas sempre, a pessoa mais importante dessa história: é o criador. Nunca se esqueça que ela só vai existir, porque a escreveu. 

AS ESCOLHAS: 

Costumo dizer sistematicamente que a escrita de um livro é uma sucessão de escolhas. Aquele que escreve deve escolher o que considera ser o melhor: o nome das personagens; o perfil físico e psicológico; estrutura familiar; espaço físico onde se desenrola a história e o respetivo tempo cronológico. Há um enorme tempo de escolhas durante o primeiro terço da narração (mais ou menos). 
Nada disto é imediato e podemos descobrir muitos destes aspetos literários enquanto se escreve. A escrita é um caminho que se faz escrevendo. Ninguém vai deixar de escrever um livro só porque não tem logo tudo decidido quando começa. Aliás, desconfio imenso daquelas pessoas que dizem que sabiam tudo desde o início, porque nunca ninguém sabe tudo. Há sempre uma enormidade de coisas novas que vamos descobrindo enquanto escrevemos. Confesso que isso é uma das minhas maiores motivações para escrever: a constante descoberta. Quem me acompanha neste trilho sabe perfeitamente que nunca pode confiar no que eu digo, porque acabo sempre por alterar, mudar, acrescentar coisas novas. É um trabalho constante.
Escolha, mas escolha em consciência. Faça-o de verdade, procure encontrar propósitos e justificações minimamente verdadeiras para ter feito "aquilo". Não se perca aqui. A sua história precisa de escolhas. Faça uma lista do que precisa de escolher e vá completando como se fosse um jogo. Divirta-se e não deixe de dormir (pelo menos nesta fase inicial). Escolha sem filtros, sem medos e com consciência de que a qualquer momento pode voltar atrás e fazer de novo, se entretanto descobrir algo melhor - eu já o fiz, reescrevi 4x o primeiro volume de BH. Às vezes, as histórias só se encontram quando falhamos e voltamos atrás para fazer de novo. Seja verdadeiro consigo mesmo quando escolhe, porque a história é SUA. 

MANTER AS ESCOLHAS: 

Depois de termos algumas escolhas feitas (para as quais, com o tempo, encontraremos justificações plausíveis, mesmo que ao início não as compreendamos), há que saber manter a coerência narrativa. É aqui que muitos de nós erram. Se escrevemos vários episódios em que a personagem age de forma brusca, não podemos, perante um novo desafio, fazê-la aceitar o inevitável com um sorriso no rosto. Esta manutenção deve ser firme e rigorosa. Se a personagem tem cabelo AZUL, por favor, não digam na página 300 que ela tem cabelo VERDE, a não ser que o leitor tenha sido informado que ela pintou o cabelo. Não lhe chamem ANTÓNIA, quando no início era a MARIA. Parece ridículo, mas isto acontece muitas vezes. Manter as nossas escolhas é uma das formas mais íntegras de defendermos as nossas histórias
Para ajudar nesta fase, se não dormirem com as personagens e as virem em todos os lados, façam listas. Arranjem um caderno e escrevam tudo o que sabem sobre elas. Façam esquemas, se isso vos ajudar. Encontrem a melhor forma de manter as escolhas, porque fazê-lo confere sentido de verdade e consistência à história - não sei como chegar lá de outro modo. Além disso, torna as personagens reais como aquelas que se cruzam consigo na rua. Quem é que quer ficar à margem, quando pode ir até ao fundo? Há tantas histórias que ficam muito longe do que podiam ser. Uma personagem complexa ajuda a ter uma história verdadeira. 

ENCARAR O PERFIL DA HISTÓRIA E DAS PERSONAGENS:

Uma das etapas mais fortes da escrita é aquela em que percebemos que a decisão começa a ser quase mínima, nós tornamo-nos cada vez mais apenas nos contadores da história, já não nos desenhadores. Continuamos a construir episódios, a apresentá-los e a torná-los reais, mas já sabemos perfeitamente como a personagem vai reagir - ainda assim, surpreenda o leitor, só não vale defraudar as expectativas. É injusto, não é? Andamos a convencer o leitor de que a MARIA vai ficar com o PEDRO e ela acaba sozinha. E nós até sabemos que ela não quer ficar sozinha... não vale ser mau para as personagens, muito menos para os nossos leitores. Ter consciência do que é melhor para a história é saber aceitar que foi assim que quisemos que fosse quando fizemos as nossas escolhas. 
Muitos escritores conhecidos referem este ponto com alguma sabedoria, referem o quão apaziguador é saberem que perante A e B, a personagem vai escolher A, porque é assim que a personagem é. Não vale a pena contrariar a essência da personagem e a própria direção da história quando fomos nós que decidimos assim (na altura das escolhas).

Se chegar aqui e quiser bater com a cabeça na parede, porque "afinal" não faz sentido para si, arregace as mangas e volte atrás. Faça de novo de maneira a que a sua consciência fique tranquila e o seu coração feliz com o resultado. Desistir não é opção, não é opção para quem já foi tão longe.


FIO NARRATIVO OU SEQUÊNCIA NARRATIVA: coerência e coesão literárias.

Infelizmente, não há uma ciência exata que me permita dizer de forma simples como se chega a isto - penso que, simplesmente, na nossa cabeça, depois de termos feito tantas escolhas, de conhecermos as personagens, de sabermos "o que acontece" e "como acontece", conseguimos olhar para o nosso "estendal" e encontrar uma ligação entre tudo. Talvez seja algo que depende de nós próprios, da história que decidimos escrever, da forma como lidamos com a escrita e os seus múltiplos trilhos. 

Uma das minhas formas preferidas de compreender se estou a conseguir ter uma sequência que faça sentido é reler. Muitas vezes, simplesmente volto ao começo de tudo. Para mim esse procedimento é fundamental. Ajuda-me imenso a antecipar a revisão, porque, particularmente, sou uma pessoa muito rigorosa e levo isto a sério (levo mesmo, não o estou a escrever só porque é bonito). Sou incapaz de ler uma página sem acrescentar coisas, reescrever partes, corrigir pormenores que parecem insignificantes. 
Se a releitura não for o suficiente para perceber se há uma sequência, faça um estendal: arranje um fio, use molas e vá juntando papelinhos com os "episódios", não se esqueça de unir (sabe-se lá como) o tema, as personagens, o espaço, o tempo e todas as outras informações sobre a história. Faça uma teia visual, se isso o ajudar ou então um grande desenho. Temos que conseguir visualizar a nossa história - se conseguir fazer isso mentalmente, melhor, mas se não for capaz, isso não o torna menos escritor.

CONCLUIR A HISTÓRIA: o final.

Só porque já escrevemos quinhentas páginas, não julgue que um epílogo - ao estilo telenovela - resolve o assunto. Sim, claro que é normal, muito normal e usual, mas faça o favor de dar à sua história tudo o que ela merece: um final é tão importante como qualquer outra parte.
Ernest Hemingway reescreveu o final de "Adeus às armas" 39 vezes. Não precisa de reescrever o seu, somente não destrua o fio narrativo que tanto trabalho deu a construir só porque tem "mesmo" que acabar a história. A história só acaba quando o escritor quiser e como quiser, pelo menos até ter um editor a ralhar consigo, porque o desiludiu no final (se ele for leitor).

APONTAMENTO GERAL: o processo de escrita como um todo.

Perca-se nesta fase. Acredite em mim: escrever é a fase mais incrível da experiência de ter uma história. É aquele momento em que tudo é nosso (só nosso) e sabe tão bem não termos ninguém para desiludir só porque escrevemos algo que decidimos escrever. Viva este momento como se fosse o único. Ter um livro não começa na publicação, um livro começa quando decidimos escrevê-lo. 

. Há quem diga que escrever histórias é uma das poucas formas de imortalizarmos os nossos pensamentos: eu não tenho dúvidas disso. 

Dê o seu melhor. Ame o que escreveu. É seu. E será sempre seu. 




quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

ESCREVER HISTÓRIAS:

Nunca pensei chegar aqui e juro que isto é mesmo verdade.
Houve um altura - uma parte inócua da minha adolescência - em que me imaginei aqui. Lembro-me de querer escrever qualquer coisa interessante e bonita como o que lia nos livros; porém, a gramática era tãooooo difícil. Dir-se-ia que eu era uma nódoa nas línguas. Um completo e redondo desastre. Mas, nunca parei de ler. Talvez o meu grande segredo seja este: eu nunca desisti de me preparar para querer ser romancista, mesmo que não soubesse que essa vontade desmedida e colossal haveria de nascer dentro de mim como mais um órgão. Isso alegra-me, principalmente nos dias mais difíceis em que me pergunto o que ando aqui a fazer. Embora possa ser um autêntico disparate, cada vez mais sinto que estive vinte e tal anos a preparar-me para estar "aqui".
Nesta altura em que o ano termina e um novo parece querer chegar abruptamente, dou por mim a olhar para o que tenho feito. Os meus sonhos estão a tornar-se realidade da forma mais íntegra e digna possível. Estou a fazer por mim desde o zero. Cada pequena vitória (como ter mil gostos numa publicação) é uma vitória que eu celebro. As conquistas são pequeninas e tão distanciadas no tempo que a melhor forma de as prolongar é festejá-las. 
São as histórias que escrevo que preenchem a minha alma e àquilo a que entrego o meu coração,a minha mente e o meu lado mais sensível. Tentei afastar-me quando percebi que endoidecia de cada vez que entrava numa viagem - numa história nova. Percebi que sempre que aceitava o desafio imposto por mim própria não pensava sequer em desistir. E há dias muito complicados, porque a história nunca é serena, nem simples, muito menos tranquila. Acho que as personagens se juntaram todas para me fazer crescer e aprender mais sobre a vida, sobre mim e sobre os outros - e nunca aprendi tanto em tão pouco tempo.
Sonho muito. Não me limito a sonhar, também faço acontecer. Não há resposta maior para aqueles que nos perguntam porque é que investimos em algo que parece não ter valor. Não há prova maior de realização pessoal do que continuar no trilho difícil de quem prefere histórias e personagens - tal como há pessoas que escolhem desportos, religiões. A escrita é um tudo para mim. Aprendi a ter fé no meu trabalho diário e não há um dia (um único dia) em que a minha vida não esteja aqui. Talvez isto seja outro dos meus segredos. Eu trabalho todos os dias. Escrever é diário e é assim que sinto que melhoro, que me torno mais perto daquilo que sonho vir a ser. Não há tempo a perder para alguém que quer tanto alguma coisa como eu quero ser romancista. 
Sei que um dia as minhas histórias serão amadas por outras pessoas, pessoas essas que saberão o meu nome sem nunca me terem visto e que saberão imenso sobre mim só porque conhecem as minhas histórias. Nenhuma das minhas histórias é autobiográfica, eu é que pertenço à escrita. Sei isto tudo, porque acredito profundamente que o esforço acaba por dar frutos. Já o disse, mas a verdade é que o meu maior medo não é o insucesso, nem o fracasso, nem cair de joelhos por isto... para tudo isso há sempre solução. Começar de novo, refazer, tentar outra vez. O meu único medo é não estar aqui para ver o sucesso acontecer. Digo isto, porque há inúmeros autores póstumos. Autores que deram a sua vida pela escrita e que morreram sem ver o quão inspiradores são - que nunca puderam saber que tantos de nós só queríamos mais um livro, mais um poema, mais uma frase. Este é o meu verdadeiro e mais profundo medo: não estar aqui quando o meu momento chegar.
Algumas pessoas poderão pensar que eu me perco muitas vezes a escrever nas redes sociais sobre a minha relação com a escrita e eu não o nego. Uma das minhas premissas enquanto aspirante a romancista é saber que quero ter voz, quero partilhar essa voz e cada uma das minhas descobertas. Prometo que farei publicações sobre a construção da história; a complexidade das personagens; a emergência do fio narrativo e da sequência - principalmente para mim que adoro histórias grandes. Mas, também é verdade que há muitos livros sobre "como escrever livros" que são manuais de regras. Eu não quero dar regras, nem diretrizes, muito menos conselhos. Não posso dar aos outros o que eu própria não sigo. A minha regra é não ter regras, excepto as gramaticais. Tenho uma relação peculiar e intensa com a escrita ao ponto de ler certas entrevistas de escritores que admiro e chorar. Sinto que sou entendida por alguns deles. Sei que afinal não sou assim tão doida, nem extremista, nem exagerada. A relação que cada um de nós tem com as palavras é única, mas se eu puder contribuir para que alguém aceite o que é (autor, escritor, romancista, poeta, dramaturgo), então é para essas pessoas que escrevo estes textos aparentemente egocêntricos. Eu não estou na escrita sozinha e nenhum de vocês está - há dias difíceis, dias em que só queremos que este sonho e esta paixão pelas histórias se ausente de nós para termos sossego (nunca se está em sossego quando se vive as histórias que se escreve), porém, há um propósito maior, há alguém que precisa das nossas histórias para enfrentar o mundo como cada um de nós já precisou das histórias dos outros. Não vale a pena contrariar o que somos. Pode demorar uma vida até ao reconhecimento, mas para aqueles que vivem a escrita, escrever é a meta. Faça-o por inteiro, faça-o de coração. 

P.S.: A fotografia é da minha autoria e sintetiza isto de escrever histórias: eu tentei e gostei.

domingo, 9 de dezembro de 2018

AMOR PRETO


- Tu és tudo para mim, Anna Hardy. 
Agarrou-me na mão, tirando-me a esponja. Passou-a no meu ombro e fez-me rir. 
Ele faz-me mesmo rir. De verdade. 
- A minha alma escura precisa que a ilumines, embora seja muito provável que eu nem alma tenha. Hoje quando eu te procurei pela cidade e não te encontrei, ia suicidar-me. – Confessou devagar e produziu as palavras com carícia, mas nem assim eu deixei de me sentir profundamente magoada. – Depois lembrei-me de ti, tu precisas que eu te proteja.
Meu Deus, ele ainda pensa em morrer... 
Ele acabou de me dizer que só não se suicidou por minha causa. 
Num gesto de desespero, puxei a sua mão enrugada e coloquei-a aberta sobre o meu peito. 
As lágrimas misturavam-se com a água do banho e eu queria puder dissecar o meu próprio peito, para lhe mostrar que dentro de mim morava um coração que palpitava por ele, só por ele.
- Sentes, Matt? Sentes? 
Tentei gritar, mas as lágrimas corriam-me em cascada. 
Ele continuava em silêncio.
- Eu perguntei se tu sentias, Matt, eu quero que tu sintas, que tu me sintas! – Insisti num murmuro sofrido e quase sem voz. – Porque o que eu sinto é que tu moras dentro de mim e eu nunca, nunca te deixarei sair daqui. Na minha alma, mora um coração preto. Tenho estas saudades doentias, que eu nem sei explicar, é quase como se fosse morrer a qualquer instante quando não te vejo, quando não te sinto. 
Céus!
Levei as mãos à cabeça, eu precisava de lhe explicar, mas eu mal conseguia falar.
Pousei as mãos no seu peito, respirei fundo e fitei-o. 
- Vais levar-me ao altar, vais dizer-me que sim olhos nos olhos e eu hei de cuidar de ti todos os dias da minha vida, porque te amo e estou disposta a lutar contigo contra os teus quinze fantasmas. 

Descai a cabeça no seu peito, no espaço entre a sua cabeça e o seu ombro, e murmurei insistentemente que o amava, repeti-o até ficar rouca, pois a ideia de o perder era a pior do mundo.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

UM ROMANCE SOBRE SUICÍDIO: BLACK HEART

Enquanto escrevia, para um verdadeiro suicida, ouvi várias vezes "o tempo em que estou a ler BLACK HEART é o tempo em que não me corto", isso fez-me continuar, persistir, insistir. 
Costumo dizer em tom de brincadeira que "BLACK HEART" começou com um fragmento mental desajustado. As personagens apareceram-se-me na imaginação e eu não soube o que fazer com elas, mas sabia que precisava de escrever sobre suicídio e amor, tudo na mesma história. A primeira vez que falei a sério sobre "isto" já tinha o primeiro volume escrito. Não sou tímida, mas sempre fui insegura, sobretudo sobre os meus pensamentos. Julguei, durante muitos anos, que sofria de alguma doença mental, porque imaginava histórias sobre tudo e sobre nada, por qualquer coisa, sem motivos. Passava o tempo "com a cabeça na lua". 
Amor. Eis a palavra mais importante. Tinha que ser em forma romanceada, livros técnicos não convencem ninguém de que o suicídio não é a única solução, porque a única solução possível é reaprender a viver. A dor, essa, ninguém pode calá-la do dia para a noite. Pode-se, sim, gradualmente, transportá-la para segundo plano. Ninguém acredita que um suicida se cura pela descoberta do amor. Esta foi a minha premissa. Sou apaixonada e racional na mesmíssima intensidade. Portanto, sempre soube que se queria abordar um dos temas mais controversos do século XXI, numa Era em que 800 mil pessoas morrem por ano no mundo vítimas de si próprias, teria que o fazer da melhor forma possível - e a ilusão não poderia ser o melhor. Portanto, esta história tem cliché, tem intimidade e verdade. É o retrato puro e cruel de um suicida. Um Matthew que representa tantas outras pessoas que querem morrer, mas têm consciência de que há alguém que os ama. É engraçado como fui descobrindo quem era o verdadeiro black heart enquanto escrevia... a minha visão, sobre ele, mudou. Não posso dizer que o Matt seja um coitado, um deprimido ou um falhado. Mentiria e iria contra aquilo em que acredito. Aprendi a respeitá-lo e a entender cada uma das suas atitudes. A maneira como ele ama, protege e deseja a Anna é de uma intensidade que pode acabar com o seu mundo (e com o dela), pois o sentimento que vai crescendo supera o próprio desejo de morrer - talvez isto possa justificar o quão medicinal é o amor. E ela, por outro lado, não é a inocente que se deixa enfeitiçar pelo homem que ele aparenta ser - prepotente, exagerado e agressivo - mas, antes, pelo verdadeiro homem que ele é por baixo daquele temperamento todo. Principalmente, nunca, mesmo que lhe dessem todo o dinheiro do mundo, ela jamais quereria fazer parte daquele plano, do plano mórbido que ele criou para compensar a sua família: arranjar uma mulher com quem ter um filho para depois se suicidar numa espécie de "alívio" comparado à paz. 

Para um suicida, a paz parece nunca chegar, a não ser que venha mascarada de amor. Essa é a minha verdadeira crença. 

Um era o dia, o outro era a noite.
Ele estava no escuro e ela parecia um farol.
Uma odisseia de esperas
Reinava em almas separadas
Mas,
Um coração preto também bate
Quando há outro que palpita em uníssono.



terça-feira, 4 de dezembro de 2018

O TRILHO DA ESCRITA


Há quem me pergunte como é que consigo ver esperança em coisas que aparentemente já não dão luz ou como é que persisto (e insisto) em trilhar solos inférteis. A verdade é que se continuo a caminhar é por convicção e obstinação. É por mim. Essencialmente por mim. Porque quero muito (tanto!) transformar todos os meus pensamentos em histórias e dar vida aos mundos pelos quais navego quando aparentemente "não estou aqui". Se me mantenho inteira e a trabalhar arduamente é porque quero caminhar descalça pelos meus sonhos, não preciso (nem quero) que outros caminhem por mim, que sofram as dores que eu escolhi sofrer ou que abracem os desafios que são meus. Sei - sei, porque acredito - que quando se trabalha com todo o nosso coração em alguma coisa de verdade, mais tarde ou mais cedo, tudo o que suportámos terá valido a pena. 

Doce memória, eterno amor